O Cristianismo é uma mundividência que diz respeito a todas as áreas da vida (Charles Colson)
por Valmir Nascimento
Muitos imaginam que compreender o Cristianismo como uma visão integral
de mundo é algo muito teórico e filosófico, e por isso deveria ser
assunto somente para pastores e eruditos.
Mas não é. Desenvolver uma cosmovisão cristã deve ser uma preocupação
de todo e qualquer crente, seja ele erudito ou não, pastor ou membro da
igreja, pois é algo que afeta diretamente nossa espiritualidade e como
colocamos em prática nossas principais crenças no dia-a-dia. O evangelho
diz respeito a nada menos que
todas as coisas (Cl. 1.16-20), e a missão da igreja diz respeito a nada menos que
todas as coisas.
Desse modo, o Reino de Deus, que é revelado na pessoa de Jesus Cristo,
deve se manifestar em cada aspecto da vida de um “cidadão do Reino”,
seja na vida devocional, na comunhão no trabalho, no mercado público, na
escola na universidade, no lazer, na família.
[i]
Por essa e outras razões podemos enumerar uma série de fatores que
atesta a importância de compreender o Cristianismo como uma visão de
mundo.
Compreender o Cristianismo como uma cosmovisão é importante porque evita que os cristãos sirvam a “outros senhores”
Jesus disse certa feita que não podemos servir a dois senhores, pois
haveremos de odiar a um e amar ao outro (MT. 6.24). Nesse sentido, a
compreensão do Cristianismo como uma visão de mundo tem como um de seus
objetivos exatamente evitar que os cristãos sirvam a “outros senhores”,
isto é, filosofias e concepções que contrariem as doutrinas primordiais
da fé cristã; pois aqueles que não olham a sociedade, a cultura e os
sistemas de ideias pelas lentes da cosmovisão cristã, sem se
aperceberem, são seduzidos por ideologias espúrias e antibíblicas, em
virtude da incapacidade de denotarem as forças ocultas e os princípios
morais e/ou religiosos que se escondem por detrás de algumas ideias
aparentemente inofensivas, porém destruidoras. O desenvolvimento de uma
visão de mundo cristã habilita o crente a refletir sobre as
pressuposições elementares de toda e qualquer linha de raciocínio e
concluir se tais pressuposições são ou não compatíveis com a Bíblia.
O fato de vivermos em um momento histórico de pluralismo, diversidade e
tolerância, com a crescente multiplicação de pontos de vistas, teorias,
doutrinas e religiões de todos os tipos e origens, bem como os
conflitos morais, teológicos e ideológicos que disso resultam,
compreender o Cristianismo como uma cosmovisão torna-se ainda mais
relevante, para o fim de discernir as vozes do nosso tempo e destruir os
conselhos, e toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de
Deus, e levando cativo todo o entendimento à obediência de Cristo (2
Coríntios 10:5).
Compreender o Cristianismo como uma cosmovisão é
importante porque conduz ao entendimento de que a fé cristã não é algo
somente privado, mas público
Influenciados por uma forte tendência de secularização, muitos cristãos
estão a aceitar a falsa ideia de que a fé é algo eminentemente privado e
que por isso deve ser vivida e expressada somente no âmbito pessoal e
religioso, sem a possibilidade de influenciar as questões públicas. Como
vaticinou Dinesh D´Souza: “Muitos cristãos renunciaram a essa missão
[participação efetiva no mundo], buscando um
modus vivendi viável e confortável no qual concordam em deixar o mundo secular em paz se o mundo secular concordar em deixá-los em paz”.
[ii]
Com efeito, essa dicotomia sagrado/secular, religião/ciência, fé/razão,
tem afastado cada dia mais a perspectiva cristã dos debates sociais e
das questões públicas. No livro A mente cristã Harry Blamires aborda essa questão e ressalta como os cristãos estão se deixando influenciar pela mente secular. Ele diz:
“Não existe mais uma mente cristã. Ainda há, é claro, uma ética cristã,
uma prática cristã e uma espiritualidade cristã. Como seres morais, os
cristãos modernos podem subscrever um código do dos não cristãos. Como
membros de igrejas, eles podem aceitar obrigações e observações
ignoradas por não cristãos. Como seres espirituais, em oração e
meditação, eles podem se esforçar para cultivar uma dimensão de vida
inexplorada por não cristãos. Mas como seres pensantes, os cristãos
modernos sucumbiram à secularização. Eles aceitam religião – sua
moralidade, sua adoração, sua cultura espiritual; mas eles rejeitam a
perspectiva religiosa da vida, a perspectiva que vê todas as coisas
terrenas dentro do contexto do eterno, a visão que relaciona todos os
problemas humanos – sociais, políticos, culturais – aos fundamentos
doutrinais da Fé Cristã, a supremacia de Deus e da transitoriedade da
terra, em termo de céu e inferno”.
[iii]
Por outro lado, o entendimento do Cristianismo como uma visão de mundo
desfaz esse equívoco, ao defender a inexistência de separação entre o
sagrado e o secular, e que os princípios cristãos possuem densidade
suficiente para abordar todas as áreas da vida humana.
Dentro dessa compreensão, para além de uma mera experiência ou devoção
pessoal, o Cristianismo genuíno é a interpretação de toda a realidade, o
que implica dizer que nenhuma área da vida humana escapa da soberania
divina. O Apóstolo Paulo escreveu que em Cristo foram criadas todas as
coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos,
sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado
por ele e para Ele (Colossenses 1:16). Em outra oportunidade, o apóstolo
dos gentios disse que a terra é do Senhor e toda a sua plenitude (I
Coríntios 1.26).
O Cristianismo, como adverte Francis Schaeffer, não é apenas um monte
de fragmentos e pedaços – há um começo e um fim, todo um sistema de
verdade - este sistema é o único que resistirá a todas as questões que
nos serão apresentadas, à medida que somos confrontados com a realidade
da existência
[iv].
Trata-se, portanto, de uma religião de integridade e plenitude, em que a
graça de Deus habita cada espaço da vida. Por essa razão, o Senhor
disse aos discípulos: Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu
coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas
as tuas forças; este é o primeiro mandamento (Marcos 12:30).
Compreender o Cristianismo como uma cosmovisão é importante porque nos prepara para a defesa da fé
Cada dia mais me convenço que a compreensão do Cristianismo como uma
visão de mundo ajuda-nos a fazer uma defesa mais consistente do
Cristianismo. Afinal, para termos uma visão profunda e abrangente de
nossas crenças, precisamos escavar com mais dedicação rumo aos alicerces
de nossa fé. Quanto mais escavamos, mais conhecemos; quanto mais
conhecemos, mais fortalecemos a razão da nossa esperança (I Pedro 3.10).
Em outras palavras, compreender o Cristianismo como uma cosmovisão ajuda-nos a utilizar a apologética cristã. Embora
muitos a usem com essa finalidade, não é objetivo da apologética cristã
simplesmente ganhar debates ou discussões no âmbito filosófico,
científico ou teológico. Muito ao contrário, a intenção primordial é
cumprir o Ide do Senhor Jesus, pregando o evangelho a toda a criatura, por meio de argumentos lógicos e plausíveis ao intelecto.
Isso não quer dizer que os cristãos tenham que fugir dos debates. De forma alguma. Charles Colson
[v]
afirma que “debater pode ser algumas vezes desagradável, mas pelo menos
pressupõe que há verdades dignas de serem defendidas, ideias dignas de
se lutar por elas. Em nossa era pós-moderna, todavia, as suas ‘verdades’
são as suas ‘verdades’, as minhas ‘verdades’ são as minhas, e nenhuma é
significativa o suficiente para alguém se apaixonar por ela. E se não
há verdade, então não podemos persuadir um ao outro através de
argumentos racionais. Tudo o que resta é puro poder”.
Além disso, essa visão cristã ampla leva-nos ao estudo das demais
cosmovisões, para avaliar seus fundamentos e consequências. Ao fazermos
isso, encontramos argumentos suficientes para demover os falsos
pressupostos das ideias contrárias ao Cristianismo, ressaltando suas
falhas lógicas e consequências absurdas.
Compreender o Cristianismo como uma cosmovisão é importante porque nos incita a usar a mente para os propósitos do Reino
A mente e a intelectualidade deveriam ocupar lugares de destaque na
igreja evangélica, pois, conforme escreveu John Stott, subestimar a
mente é soterrar doutrinas cristãs fundamentais. Por essa razão, o
estudo direcionado da cosmovisão cristã nos incita a usar o dom divino
da inteligência com o objetivo de cumprir a grande Comissão de Cristo.
Somos compelidos a pensar de forma cristã, pensar biblicamente ou com a
mente de Cristo.
Ocorre que vivemos um período turbulento em que muitos cristãos
abandonaram a razão e estão a utilizar somente a emoção religiosa,
fazendo surgir o mal do antiintelectualismo dentro de algumas igrejas.
De acordo com o sociólogo cristão Os Guinness, “o antiintelectualismo é
uma disposição em não levar em conta a importância da verdade e a vida
da mente. Vivendo numa cultura sensual e numa democracia emotiva, os
americanos evangélicos da última geração têm simultaneamente revigorado
seus corpos e embotado suas mentes. O resultado? Muitos sofrem de uma
forma moderna do que os antigos estóicos chamavam de “hedonismo mental” –
possuem corpos saudáveis e mentes obtusas”
[vi].
Com efeito, a cosmovisão cristã ajuda a resgatar a verdade bíblica de
valorização do intelecto para o cumprimento dos propósitos divinos,
afinal o apóstolo Pedro disse para crescermos na graça e no conhecimento
(2 Pedro 3.18), e o próprio Senhor Jesus enfatizou que devemos amar a
Deus de todo o nosso coração, de toda a nossa alma e de todo o nosso
entendimento (Mateus 22.37).
Compreender o Cristianismo como uma cosmovisão é
importante porque contribui para que a evangelização e o discipulado
sejam mais eficazes
A visão abrangente do Evangelho serve também como ferramenta de
evangelização, como meio de anunciar as boas novas (Marcos 16.15).
Aliás, nunca podemos perder de vista que o “Ide” do Senhor Jesus é o
ponto chave do Cristianismo abrangente, que de modo algum pode ser
ofuscado ou deixado de lado. Isso porque, o Evangelho é o poder de Deus
para a salvação de todo aquele que crê (Romanos 1.16).
Igualmente, a visão cristã de mundo é extremamente útil para o
discipulado, para informar e amadurecer um verdadeiro adorador de Cristo
com relação às implicações e ramificações da fé cristã. Ela oferece ao
novo discípulo um patamar através do qual entendemos o mundo e toda a
realidade, mediante a perspectiva divina, para assumir um estilo de
vida de acordo com a vontade de Deus.
[vii]
[i] CARDOSO LEITE, Cláudio Antônio & Fernando Antônio.
Cosmovisão cristã e transformação – Viçosa, MG: Ultimato, 2006; p. 22.
[ii] D´SOUZA, Dinesh.
A verdade sobre o Cristianismo: por que a religião criada por Jesus é moderna fascinante e inquestionável; [tradução Valéria Lamin Delgado Fernandes]. – Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2008; p.14.
[iii] BLAMIRES, Harry.
A mente cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2006; p. 11/12.
[iv] SCHAEFFER, Francis.
O Deus que intervém: São Paulo. Cultura Cristã, 2009; p. 249.
[v] COLSON, Charles.
E Agora como Viveremos- Rio de Janeiro. CPAD, 2000.
[vi] Citado por James Sire, Hábitos
da Mente – a vida intelectual como um chamado cristão. São Paulo, SP. Editora Hagnos. 2005. p. 19.
[vii] MACARTHUR, John e outros.
Pense Biblicamente – Recuperando a visão cristã de mundo - São Paulo: Hagnos, 2005; p. 20.